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segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Estória: Tempo Perdido

Certo homem era marceneiro de profissão e possuía extraordinária facilidade para trabalhar com madeira. Era um verdadeiro mestre em seu ofício e todos admiravam seus trabalhos.

Esse homem tinha um sonho.

Desejava esculpir na madeira uma imagem de Jesus, a quem ele amava profundamente, em tamanho natural.

Conversando com um amigo, o marceneiro falou do sonho que acalentava em seu íntimo e o companheiro o incentivou:

- Então por que você não começa? Com seu talento e habilidade nas mãos, tenho certeza que a escultura será uma obra prima!

Ao que o marceneiro respondeu:

- Ah! Meu amigo! Desejo não me falta. Contudo, o trabalho deverá ser perfeito e ainda não resolvi qual a madeira que irei utilizar.

Sempre em dúvida, o artesão deixava o tempo passar. Uma madeira porque era muito rija; a outra porque não era resistente o suficiente; outra era macia e de fácil manejo, porém a tonalidade não o agradava.

E assim o tempo foi passando e o marceneiro não se dava conta.

Alguns anos depois reencontrou o amigo que tinha retornado à cidade e, curioso, perguntou sobre a obra.

- Já resolvi o tipo de madeira que irei trabalhar. Entretanto, ainda não iniciei porque não estou nas minhas melhores condições íntimas. Creio que para esculpir a figura do Mestre preciso estar bem comigo mesmo e com o mundo. Sabe como é, os fregueses exigem muito da minha atenção e, não raro me irrito, perdendo a paciência. Além disso, não podendo dispensar o serviço da marcenaria, onde ganho o sustento para minha família, só posso dedicar-me ao sonho acalentado pela minha alma nos momentos de folga. E aí, grande parte das vezes, eu sinto-me exausto e sonolento. Contudo — completava tentando aparentar entusiasmo —, pretendo começar minha obra prima dentro em breve.

Algum tempo depois, voltaram a se encontrar e, questionado pelo amigo que demonstrava interesse pelo assunto, o artesão argumentava:

- Infelizmente, ainda não iniciei o trabalho porque as condições não permitem. A família exige muito da minha atenção e os filhos requisitam meus carinhos. Você compreende, ainda são pequenos e dependentes. Porém, quando que eles crescerem um pouco mais, poderei trabalhar em paz.

E assim o tempo foi passando. Muitos anos depois, em visita à cidade, o amigo foi procurar o marceneiro. Encontrou-o velho e doente.

Após os cumprimentos e a troca de notícias, felizes com o reencontro, o visitante interrogou, curioso:

- E daí? Estou ansioso para ver o trabalho que você tanto desejava executar. Com certeza deve ter ficado soberbo!

Os olhos do artesão se apagaram e uma tristeza infinita vibrou em sua voz já trêmula pela idade:

- Ah, meu amigo! Infelizmente, nem cheguei a iniciar o trabalho que representava o sonho de toda uma vida. As dificuldades foram muito grandes e a necessidade de prover o sustento da família me absorveu. Agora, encontro-me doente e sem forças. A vista está fraca e já não enxergo mais como antes, e as mãos, trêmulas, não me permitem mais trabalhar.

Penalizado, o visitante amigo viu-o puxar um lenço e enxugar uma lágrima, cheio de arrependimento e amargura.

- É tarde, meu amigo. Tive todas as condições e não soube aproveitar. Perdi a oportunidade que o Senhor me concedeu.

Tentando animá-lo, o visitante considerou:

- Quem sabe? Não desanime. Talvez ainda seja possível.

O marceneiro fitou o amigo, demonstrando que compreendia toda a extensão da sua inutilidade e da sua cegueira, e respondeu convicto:

- Não agora; só se forem outra existência!

Autoria: Célia Xavier Camargo
Imagem meramente ilustrativa – Fonte: Internet Google.
 

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