O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
Cap. 19 - A FÉ QUE TRANSPORTA
MONTANHAS
6. Do ponto
de vista religioso, a fé consiste na crença em dogmas especiais, que constituem
as diferentes religiões. Todas elas têm seus artigos de fé. Sob esse aspecto,
pode a fé ser raciocinada ou cega.
Nada
examinando, a fé cega aceita, sem verificação, assim o verdadeiro como o falso,
e a cada passo se choca com a evidência e a razão. Levada ao excesso, produz o
fanatismo. Em assentando no erro, cedo ou tarde desmorona; somente a fé que se
baseia na verdade garante o futuro, porque nada tem a temer do progresso das
luzes, dado que o que é verdadeiro na obscuridade, também o é à luz da razão.
Cada religião pretende ter a posse exclusiva da verdade; preconizar alguém a fé
cega sobre um ponto de crença é confessar-se impotente para demonstrar que está
com a razão.
7. Diz-se
vulgarmente que a fé não se prescreve, donde resulta alegar muita gente que não
lhe cabe a culpa de não ter fé. Sem dúvida, a fé não se prescreve, nem, o que
ainda é mais certo, se impõe. Não; ela se adquire e ninguém há que esteja
impedido de possuí-la, mesmo entre os mais refratários.
Falamos das
verdades espirituais básicas e não de tal ou qual crença particular. Não é à fé
que compete procurá-los; a eles é que cumpre ir-lhe, ao encontro e, se a
buscarem sinceramente, não deixarão de achá-la. Tende, pois, como certo que os
que dizem: "Nada de melhor desejamos do que crer, mas não o podemos",
apenas de lábios o dizem e não do íntimo, porquanto, ao dizerem isso, tapam os
ouvidos. As provas, no entanto, chovem-lhes ao derredor; por que fogem de
observá-las? Da parte de uns, há descaso; da de outros, o temor de serem
forçados a mudar de hábitos; da parte da maioria, há o orgulho, negando-se a
reconhecer a existência de uma força superior, porque teria de curvar-se diante
dela.
Em certas
pessoas, a fé parece de algum modo inata; uma centelha basta para
desenvolvê-la. Essa facilidade de assimilar as verdades espirituais é sinal
evidente de anterior progresso. Em outras pessoas, ao contrário, elas
dificilmente penetram, sinal não menos evidente de naturezas retardatárias. As
primeiras já creram e compreenderam; trazem, ao renascerem, a intuição do que
souberam: estão com a educação feita; as segundas tudo têm de aprender: estão
com a educação por fazer. Ela, entretanto, se fará e, se não ficar concluída
nesta existência, ficará em outra.
A
resistência do incrédulo, devemos convir, muitas vezes provém menos dele do que
da maneira por que lhe apresentam as coisas. A fé necessita de uma base, base
que é a inteligência perfeita daquilo em que se deve crer. E, para crer, não
basta ver; é preciso, sobretudo, compreender. A fé cega já não é deste século
(1), tanto assim que precisamente o dogma da fé cega é que produz hoje o maior
número dos incrédulos, porque ela pretende impor-se, exigindo a abdicação de
uma das mais preciosas prerrogativas do homem: o raciocínio e o livre-arbítrio.
É
principalmente contra essa fé que se levanta o incrédulo, e dela é que se pode,
com verdade, dizer que não se prescreve. Não admitindo provas, ela deixa no
espírito alguma coisa de vago, que dá nascimento à dúvida.
A fé
raciocinada, por se apoiar nos fatos e na lógica, nenhuma obscuridade deixa. A
criatura então crê, porque tem certeza, e ninguém tem certeza senão porque
compreendeu. Eis por que não se dobra. Fé inabalável só o é a que pode encarar
de frente a razão, em todas as épocas da Humanidade.
A esse
resultado conduz o Espiritismo, pelo que triunfa da incredulidade, sempre que
não encontra oposição sistemática e interessada.
(1) Kardec
escreveu essa palavras no século XIX. Hoje, o espírito humano tornou-se ainda
mais exigente: a fé cega está abandonada; reina descrença nas Igrejas que a impunham.
As massas humanas vivem sem ideal, sem esperança em outra vida e tentam
transformar o mundo pela violência. As lutas econômicas engendraram as mais
exóticas doutrinas de ação e reação. Duas guerras mundiais assolaram o planeta,
numa ânsia furiosa de predomínio econômico.
Toda a
esperança da Humanidade hoje se apóia no Espiritismo, na restauração do
Cristianismo, baseada em fatos que demonstram os princípios básicos da Doutrina
cristã: eternidade da vida, responsabilidade ilimitada de pensamentos, palavras
e atos. Sem a Terceira Revelação o mundo estaria irremediavelmente perdido pelo
choque das mais desencontradas ideologias materialistas e violentistas. - A
Editora da FEB, em 1948.
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