A Força do Amor
Preparavam-se os
noivos para os esponsais, quando os pais da jovem descobriram que o pretendente
à mão da filha era frequentador assíduo de uma casa de jogos. Decidiram então
se opor tenazmente à realização do matrimônio, a pretexto de que o homem que se
dá ao vício do jogo jamais pode ser bom marido.
Mas, a jovem,
obstinada em desconhecer as razões invocadas pelos pais, acabou por vencer-lhes
a resistência e casou-se.
Nos primeiros dias de
vida conjugal, o homem portou-se como um marido ideal. A pouco e pouco, porém,
renascia lhe, cada vez mais irrefreável, o desejo de voltar à mesa de jogo.
Certa noite, incapaz de resistir a pressão do vício, retornou ao convívio de
seus antigos companheiros.
No lar, a esposa,
sentada em uma cadeira de balanço, aguardava o regresso do marido, que tardava.
Embora ocupada com alguns trabalhos de bordado, tinha a mente presa aos
ponteiros do relógio, cujas horas pareciam suceder-se cada vez mais lentas. Já
era quase uma hora da madrugada, quando o marido abriu a porta da sala.
Visivelmente irritado com o surpreender a companheira ainda em vigília, pois
via nisso ostensiva censura à sua conduta, interrogou-a asperamente:
- Que fazes aí, a
estas horas?
- Entretenho-me com
este bordado, respondeu ela, imprimindo à voz um acento de ternura e bondade.
- Não vês que é tarde?
- Sinceramente,
distraída como me achava, não havia atentado para o adiantado da hora...
E, sem dar maior
importância à ocorrência, foi ela deitar-se.
No dia seguinte, à
noite, repetiu-se a cena. O marido ausentou-se e a esposa, já ciente do que se
passava, pôs-se de novo a esperá-lo. Quando ele chegou, já pelas duas da
madrugada, encontrou a companheira de pé. Então, num assomo de cólera, bradou:
- Que é isto? Outra
vez acordada?!
- Sim, não quis que
fosse deitar-te, sem que antes fizesses um ligeiro repasto. Preparei-te um chá
com torradas e aqui o tens quentinho! Espero que o aprecies.
E, sem indagar do
marido onde estivera e o que fizera até aquelas horas, a boa esposa beijou-lhe
carinhosamente a fronte e recolheu-se ao leito.
Na terceira noite,
nova ausência do marido e nova espera da esposa. Lá por volta de uma e meia da madrugada,
entrou ele e, antes que se insurgisse contra a atitude da companheira, esta se
lhe prendeu ao colo, num afetuoso abraço, e exclamou:
- Querido, D.
Antonieta, nossa vizinha, ensinou-me a receita de um bolo delicioso e eu não
queria que te deitasses, sem que antes provasses dele.
A ocorrência
repetiu-se por várias vezes, com visíveis e crescentes preocupações para o
marido. Na mesa de jogo, tinha o pensamento menos preso às cartas do que à
esposa que o esperava pacientemente, como um anjo da paz.
Começou, então, a
experimentar uma sensação de vergonha, ao mesmo tempo que de indiferença e
quase de repulsa por tudo quanto o rodeava, porque já era mais forte do que o
vício o amor por aquela criatura que nele operava tão radical transformação.
De olhar vago e
distante, como se tivesse diante de si outro cenário, levantou-se abruptamente,
cedendo a um impulso quase automático, e retirou-se, para nunca mais voltar...
Transcrito de "O
Primado do Espírito" por: Rubens Romaneli.
Fonte da imagem e texto:
Internet Google.
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