… E Jesus,
retido por deveres constrangedores, junto da multidão, em Cafarnaum, falou a
Simão, num gesto de bênção:
– Vai,
Pedro! Peço-te!… Vai à casa de Jeremias, o curtidor, para ajudar. Sara, a filha
dele, prostrada no leito, tem a cabeça conturbada e o corpo abatido… Vai sem
delonga, ora ao lado dela, e o Pai, a quem rogamos apoio, socorrerá a doente
por tuas mãos.
Na manhã
ensolarada, pôs-se o discípulo em marcha, entusiasmado e sorridente com a
perspectiva de servir. À tarde, quando o Sol cedia as últimas posições à sombra
noturna, vinha de retorno enunciando inquietação e pesar no rosto áspero.
– Ah!
Senhor! Disse ao Mestre que lhe escutava os apontamentos – todo esforço
baldado, tudo em vão!…
– Como
assim?
E o apóstolo
explicou amargamente, qual se fora um odre de fel a derramar-se:
– A casa de
Jeremias é um antro de perdição… Antes fosse um pasto selvagem. O abastado
curtidor é um homem que ajuntou dinheiro, a fim de corromper-se. De entrada,
dei com ele bebericando vinho num paiol, a cuja porta bati, na esperança de
obter informações para demandar o recinto doméstico. Não parecia um patriarca e
sim um gozador desavergonhado. Sentava-se na palha de trigo e, de momento a
momento, colava os lábios ao gargalo de pesada botelha, desferindo gargalhadas,
ao pé de serva bonita e jovem, que se refestelava no chão, positivamente
embriagada…
Ao
receber-me, começou perguntando quantos piolhos trago à cabeça e acabou
mandando-me ao primogênito… Saí à procura de Zoar, o filho mais idoso, e
achei-o, enfurecido, no jogo de dados em que perdia largas somas para conhecido
traficante de Jope. Acolheu-me aos berros, explicando que a sorte da irmã não
lhe despertava o menor interesse… Por fim, expulsou-me aos coices, dando a ideia
de uma besta-fera solta no campo…
Afastava-me,
apressado, quando esbarrei com a dona da casa. Dei-lhe a razão de minha
presença; contudo, antes de atender-me, passou a espancar esquelética criança
menina, alegando que a criança lhe havia surrupiado um figo, enquanto a pequena
chorosa tentava esclarecer que a fruta havia sido devorada por galos de
estimação… Somente após ensanguentar a vítima, resolveu a megera designar o
aposento em que poderia avistar-me com a filha enferma…
Ante o olhar
melancólico do ouvinte, o discípulo prosseguiu:
A
dificuldade, porém, não ficou nisso… Visivelmente transtornada por bagatela, a
velha sovina errou na indicação, pois entrei numa alcova estreita, onde fui
defrontado por Josué, o filho mais moço do curtidor, que mergulhava a mão num
cofre de joias. Desagradavelmente surpreendido, fez-se amarelo de raiva,
acreditando decerto que eu não passava de alguém a serviço da família, a fim de
espionar lhe os movimentos. Quando ergueu o braço para esmurrar-me, supliquei
considerasse a minha situação de visitante em missão de paz e socorro fraterno…
Embora contrafeito,
conduziu-me ao quarto da irmã… Ah! Mestre, que tremenda desilusão!… Não duvido
de que se trata de uma doente, mas, logo me viu, a estranha criatura se tornou
inconveniente, articulando gestos indecorosos e pronunciando frases indignas…
Não aguentei mais… Fugi, horrorizado, e regressei pelo mesmo caminho…
Observando
que o Amigo Sublime se resguardava, triste e silencioso, volveu Simão, após
comprido intervalo:
– Senhor,
não fui, acaso, bastante claro? Porventura, não terei procurado cumprir-te
honestamente os desejos? Seria justo, Mestre, pronunciar o nome de Deus, ali,
entre vício e deboche, avareza e obscenidade?
Jesus,
porém, depois de fitar longamente o céu, a inflamar-se de lumes distantes,
fixou no companheiro o olhar profundamente lúcido e falou com serenidade:
– Pedro,
conheço Jeremias, a esposa e os filhos, há muito tempo!… Quando te incumbi de
ir ao encontro deles, apenas te pedi para auxiliar!…
Livro:
Ideias e Ilustrações - Médium: Chico Xavier - Espírito: Irmão X.
Fonte da imagem: Internet Google.
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