Seu Jorge
acabava de fazer o embrulho de roupinhas de presente, quando disse à esposa:
- Pronto. O
pacote está feito. Já podemos ir visitar as crianças do internato.
Mas
Paulinho, com seus seis anos ricos de curiosidade, quis logo saber:
- Papai, que
é internato?
- É uma casa
geralmente grande, onde moram muitas crianças.
- Todo mundo
irmão?!
- Bem, é
que... é que...
Seu Jorge
não queria chocar o filhinho, principalmente hoje, que era dia de Natal e
procurava a melhor explicação que não faltasse à verdade, no que foi salvo pelo
pedido do filho:
- Eu também
quero ir. Você me leva?
Seu Jorge e
Dona Célia trocaram um olhar. Será que Paulinho iria compreender?
Mas ela fez
um sinal com a cabeça, concordando, e o pai respondeu:
- De certo.
Você vai conosco.
Saíram,
foram para o ponto de ônibus, que não demorou a chegar.
Dizia: Vila
Velha. É lá que ficava o internato. Rodaram mais de meia hora e chegaram.
Desceram do
ônibus e leram a tabuleta que anunciava: “Casa da Criança Feliz”.
O portão de
ferro meio bambo e as paredes descascadas do muro deixavam claro que o dinheiro
não era farto, mas o chão de terra, varridinho, dava certo ar de conforto
espiritual.
Bateram
palmas e não demorou que uma garota de uns doze anos abrisse o cadeado e
puxasse as grossas correntes que libertaram a passagem.
- Feliz
Natal! – disse a menina.
- Feliz
Natal! – responderam pai e mãe.
Mas Paulinho
nada falou. Só ele parecia ter percebido que ela estava descalça; que os
cabelos não bem penteados e o vestido comum não pareciam apropriados para um
dia de festas.
- Tia Noca
está lá dentro de casa. Podem seguir.
Pai e mãe, à
frente; o garoto, um pouco mais atrás. Ela tornou a fechar o protão e demorou-
se um pouco, observando o mundo que existia do lado de fora.
Paulinho procurava
com os olhos outros meninos, iguais a ele, mas não encontrou nenhum. Todas as crianças
à vista eram meninas.
Papai e
mamãe nem repararam, pois consideravam tudo muito lógico, mas o filho achava
isso um tanto esquisito. “Por que aqui não nascem meninos?” – pensava mais desconfiado
que interessado.
Paulinho
reparou que a porta de entrada da casa não era fechada, como a da sua, e ia chegando
à conclusão de que aquele casarão era definitivamente bem diferente do lar onde
residia.
Tia Noca
logo chegou. Tinha o ar de mulher bondosa, dessas que os Espíritos bons
assistem com interesse, já que são tão raras.
Diversas
crianças lhes agarravam o vestido, mal deixando-a caminhar.
Os pais se
maravilhavam, e pensaram: “como gostam dela!”.
- Feliz
Natal!
- Feliz
Natal!
Paulinho
continuava calado, mas se alguém pudesse penetrar naquela cabecinha, leria seus
pensamentos secretos: “Eu gosto muito do papai e da mamãe; de vez em quando me
agarro nas pernas deles, mas não fico assim pregado, como todas essas filhas da
Tia Noca. Eu abraço meus pais por amor, mas elas parecem que agarram procurando
amor”.
Paulinho
estava realmente confuso. Se ela era bondosa, porque suas filhas pareciam ter
falta de amor?
À proporção
que iam pela casa adentro, mais e mais meninas apareciam. Paulinho mais confuso
ficava. “Com tantas filhas, não dá mesmo tempo para distribuir amor como na
minha casa”.
Mais
encabulado se punha por ver que Tia Noca tinha filhas brancas, outras
pretinhas, e até uma de olhos amendoados de japonesinha!
“Não estou
entendendo nada!”, pensava o garoto, que só percebeu que os grandes conversavam,
quando a mãe exclamou, alto: - “É aquela ali!”
Paulinho
estancou, de olhos arregalados e assustados. Reconhecendo Lili, a filha da
empregada que “Papai do Céu levara para junto dele”, no mês passado, compreendeu
que aquelas meninas não eram filhas de Tia Noca.
Olhou para
aquela mulher de semblante radioso, com profundo respeito, mas um ligeiro ar de
reprovação se mostrou em sua voz infantil, ao dizer aos pais:
- “Eu quero
ela de presente de Natal, para mim”.
Cerca de
dois meses se passaram, e Paulinho já havia perdido as esperanças de ganhar “o
seu presente”.
O Natal ficara
para trás e um outro, novo, só no final do ano.
Era pequeno
demais ainda, para saber que quando se é grande, tudo se torna difícil e
complicado.
Foi, pois,
com relutância que aceitou o convite dos pais para irem novamente ver Lili. Não
que se houvesse desinteressado dela, mas porque o machucava a cena da prisão de
um ente querido.
- Por que
ela está obrigada lá?
- Não é obrigada,
é abrigada, que se diz, corrigiu mamãe.
Paulinho
ficou mais confuso. Alguma coisa lhe dizia que se Jesus aconselhara abrigar
crianças sem pais, haveria de ser nos corações, e não nos casarões. Por que a
gente grande confunde tanto as coisas?
Mas o desejo
de revê-la reavivou-lhe a chama do amor fraterno, e um minuto após, já corria
para a porta, e para o ponto do “Vila Velha”.
Já no “Lar
da Criança Feliz”, viu que Tia Noca entregava ao papai e à mamãe, diversos
papéis onde eles escreveram qualquer coisa que ele não sabia o que era, mas
haveria de ser algo muito bom, porque Tia Noca, tomando Lili no colo, beijou-a
com os olhos rasos de lágrimas e lhe disse:
- Que Jesus
te abençoe, filha querida! Atônito e feliz, Paulinho viu-a colocar Lili nos
braços de Dona Célia que, beijando-a também, úmidos os olhos, a colocara no chão,
a seu lado. Até papai, que era homem, chorou.
Pelo brilho
do olhar, adivinhava-se que Paulinho compreendera que Tia Noca só tomava conta
daquelas meninas, esperando que cada lar fosse buscar uma para receber como
filha espiritual.
Na inocência
infantil imaginou que o internato iria esvaziar, dentro de poucos dias.
Seu Jorge e
Dona Célia sabiam que é complicado adotar, que redobrado amor se há de ter, mas
confiaram.
Parece que
Jesus falara pelos lábios daquela criança.
Não era
dezembro, mas era muito mais Natal!
Demétrio Pável Bastos - Alô Coração - Juiz
de Fora - Instituto Maria.
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