O senhor, dono das
terras, era mau e prepotente. Por qualquer coisa, chicoteava os escravos; e, se
suas ordens não fossem obedecidas ou se o negro tentasse fugir, era colocado no
tronco, onde ficava acorrentado sem comer e sem beber por muitos dias.
Por isso, os escravos
eram revoltados e não gostavam do patrão. Mas Bastião era diferente. Dono de
coração bom e generoso estava sempre contente da vida e tentando ajudar a
todos.
A filhinha do
fazendeiro, menina meiga e gentil, se afeiçoara ao velho Bastião e passava o
tempo junto do escravo, ouvindo suas histórias.
Certo dia, um dos escravos,
não suportando mais os maus-tratos, tentou fugir. Encontrado pelo feitor e
aprisionado, foi acorrentado ao tronco.
O filho do escravo
fujão, menino de apenas cinco anos, vendo o pai amarrado, aproximou-se em
lágrimas, agarrando-se nas pernas dele.
Irritado com os gritos
do pequeno, o senhor mandou que o atirassem no meio do mato para não mais ouvir
seu choro.
O fazendeiro não
percebeu, porém, que sua filhinha Ana, condoída da sorte do negrinho,
embrenhara-se também pelo mato para fazer-lhe companhia.
Ao perguntar pela
menina, que era a luz dos seus olhos, sentindo sua falta, lhe disseram que ela
fora procurar o pequeno escravo.
Assustado, o patrão
chamou alguns homens e foi atrás dela. Contudo, o velho Bastião, que percebeu o
que estava acontecendo, já se adiantara e tinha ido procurar as crianças.
Quando o fazendeiro e
seus homens chegaram, o encontraram com uma cobra venenosa morta nas mãos, e as
crianças abraçadas e em segurança, encolhidas atrás de um tronco caído,
trêmulas de medo.
Bastião matara a
cobra, mas fora picado por ela.
Vendo o que tinha
ocorrido, o senhor não sabia como manifestar sua gratidão, pois era evidente
que o escravo defendera as crianças com a própria vida.
Abraçando a filhinha,
que estava muito assustada, o patrão perguntou, pela primeira vez denotando
gentileza no trato com um escravo:
— O que você deseja,
Bastião, pela bravura que demonstrou salvando a vida da minha filha? Seja o que
for que pedir, lhe será concedido.
E o velho escravo, em
cujo organismo o veneno da cobra já fazia efeito, respondeu com os olhos úmidos
de pranto, muito emocionado:
— Não salvei apenas
sua filha, senhor, mas também a vida de um pequeno escravo, pois toda vida vem
de Deus e é igualmente importante. Já que me permite externar um desejo,
gostaria de lhe pedir que todas as criaturas fossem tratadas como seres
humanos, sem distinção, uma vez que somos todos filhos do nosso Pai Celestial.
E percebendo o olhar
de espanto do senhor perante seus conceitos, que não julgara possível encontrar
num velho escravo, Bastião concluiu:
— Isso eu aprendi com
Jesus Cristo.
Diante daquelas
palavras que representavam uma lição para ele, uma vez que o escravo poderia
ter-se vingado dele na pessoa de sua filha Ana, e não o fizera, o fazendeiro
abaixou a cabeça, envergonhado, e concordou:
— É verdade. Você tem
razão, Bastião. Seja assim como deseja. De hoje em diante eu prometo-lhe que os
escravos serão bem tratados, com todo o respeito que se deve a seres humanos.
A partir desse dia, o
fazendeiro melhorou consideravelmente a vida dos escravos, dando-lhes condições
dignas de existência, melhorando suas moradias e fornecendo-lhes alimentação
mais saudável.
Com a melhoria nas
condições de vida, ele percebeu que o tronco não era mais necessário, pois os
escravos passaram a gostar dele e do serviço na fazenda, e tudo o que faziam
era de boa vontade e com um sorriso nos lábios.
Alguns anos depois,
com o crescimento da ideia abolicionista no Brasil, esse fazendeiro foi dos
primeiros a libertar seus escravos, transformando-os em trabalhadores
assalariados.
E nunca mais o
fazendeiro se esqueceu do velho escravo Bastião que, na sua simplicidade, dera
um exemplo de amor tão grande, que modificara sua vida e a de todos quantos
residiam naquela propriedade.
Célia Xavier Camargo -
Fonte: O Consolador.
Fonte do texto e
imagem: Internet Google.
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