O sol já
declinara no horizonte. Vovó Amélia, reunida aos garotos, como de costume
conversava sobre a vida.
Zezinho
comentava:
- Sabe,
Vovó, hoje dois garotos brigaram na escola, por causa de uma bola.
- Ah! Mas
isso é muito feio. Devemos sempre viver em paz com todos.
- Ora, Vovó,
eles já trazem essa rixa de muito longe e por qualquer motivo estão se
desentendendo - voltou a falar Zezinho, enquanto os outros garotos faziam sinal
de assentimento.
- Bem. Se é
assim, creio que a coisa se torna mais complicada, exigindo reparação imediata.
Lembremos o ensino de Jesus, que nos manda reconciliar com os nossos
adversários, enquanto estamos a caminho com eles. Somente assim viveremos
felizes e em paz.
- É, a
professora de religião já falou do perdão, mas não adiantou muito. Quem sabe a
senhora teria uma história sobre o perdão para nos contar. Poderíamos, então,
contar prá eles e, talvez assim, resolvessem acabar a contenda - comentou
Lívia.
- Ah! Agora
lembrei-me de uma história muito bonita e que fala sobre a lei do perdão.
Fiquem em
silêncio, que a contarei. E, após breve pausa, a Vovó, começou:
- Esta é a
história de Lulu, a lebre que morava na Floresta Alegre.
Conta-se que
outrora Lulu tinha uma grande plantação de cenouras. Ela mesma cultivava com
muito esmero, dali tirando o seu sustento e de sua família.
Todos
colaboravam na sua preservação. Tudo aconteceu quando, um dia, Lulu foi colher
cenouras para o almoço. Notou que muitas delas haviam desaparecido, não sabia
como.
Recolheu a
quantidade necessária para a refeição daquele dia e seguiu para casa de cenho
franzido. Ficara preocupada. Quem teria retirado as cenouras?
Na hora do
almoço, toda a família reunida, indagou:
- Algum de
vocês colheu cenouras, de ontem para hoje?
Responderam
negativamente.
- Pois
alguém anda surrupiando nossas cenouras e precisamos estar atentos para impedir
que isto volte a acontecer. Quem quiser cenouras, que as plante - acrescentou
Lulu, visivelmente irritada.
Todos os
seus familiares resmungaram agitados e descontentes, após suas palavras.
Resolveram
montar guarda na plantação, dali por diante. Por nenhum momento, esta deveria
ficar sem os atentos olhos de algum deles.
Os dias se
passaram. Mas, apesar da vigilância cerrada, as cenouras continuavam
desaparecendo.
Lulu quase
foi à loucura. Prometeu que ela mesma montaria guarda naquele dia, e assim o
fez.
Após muito
esperar, já quase desistira. De repente, percebeu um pé de cenoura sendo
rapidamente puxado para o interior da terra.
Correu para
ver quem era. Contudo, somente depois de mais quatro pés succionados, conseguiu
divisar o invasor responsável.
Um pequeno
filhote de lebre cavara um túnel subterrâneo e era quem estava lesando a
plantação de Lulu.
Entretanto,
Lulu não quis saber se era filhote ou adulto; partiu para cima do intruso e o
obrigou a devolver as cenouras, falando em seguida:
- Vá embora
daqui e aprenda a trabalhar.
- Mas, Senhora...-
assustado, o filhote tentava argumentar.
Lulu não o
deixou prosseguir:
- Não me
interessa o que você tenha a dizer. Só quero que abandone minha plantação,
agora mesmo.
Cabisbaixo e
triste, este afastou-se derramando uma lágrima, que Lulu não chegou a perceber.
Passaram-se
os dias sem nenhuma novidade na plantação. Lulu, porém, não havia perdoado.
Guardando a mágoa dentro de si, adoeceu e, pouco a pouco, o seu corpo
definhava, como se fosse o prelúdio de um fim próximo.
Todos já
temiam que tal pudesse acontecer, dado a fraqueza que a possuía, quando
resolveram apelar para o Dr. Corujão, na esperança de que este solucionasse a
enfermidade que a deixava abatida e em quebranto.
Às pressas,
correram a chamá-lo. Este não se fez esperar. Chegando à casa de Lulu, depois
de cumprimentar a todos, pediu para ficar a sós com a doente, a fim de
examiná-la.
Após alguns
instantes, verificando que nada tinha de anormal no funcionamento de seu
organismo, começou a conversar, no intuito de saber como tudo acontecera e
desde quando estava assim.
A enferma,
sentando-se com dificuldades, disse ao Dr. Corujão tudo o que lhe tinha
acontecido nos últimos meses.
Quando Lulu
se referiu ao incidente com o filhote de lebre, o Dr. Corujão, arqueando as
sobrancelhas, falou:
- Ah! Minha
amiga. A causa de sua doença é mágoa. Mágoa que você guardou no coração.
- Como
assim? - perguntou Lulu, sem entender.
- Então você
não sabe? A mágoa retida no coração aniquila não só as forças da alma, mas
também compromete a saúde do corpo.
- Tem
certeza? - argumentou a doente.
- Claro que
tenho. Já vi casos assim antes; e, foi só o doente perdoar a quem o tinha
ofendido para a enfermidade ceder lugar à saúde e à felicidade.
- E como
posso fazer para perdoar? Não tenho forças para tanto.
- Faça o
seguinte. Levante-se; dirija-se à plantação e colha o máximo que puder de
cenouras. Em seguida, leve-as ao seu adversário. Assim vai se sentir mais
aliviada.
- Puxa! Mas,
sequer sei onde mora o pequeno! – exclamou Lulu.
- Não se
preocupe. Eu o localizarei.
Apoiada na
asa do Dr. Corujão, Lulu dirigiu-se à plantação, colhendo as cenouras como fora
orientada.
Enquanto
isso, o Dr. Corujão saiu à procura do filhote de lebre. Informado de onde
morava, partiu em busca de Lulu.
Esta havia
colhido cenoura suficiente para alimentar uma pequena família, por vários dias.
Auxiliada
pelo Dr. Corujão, nossa amiga foi até a residência do pequeno filhote, batendo
palmas à entrada.
Logo depois
este surgiu, magro, sujo e com os olhos um tanto assustados. Confuso, falou, ao
ver Lulu:
- A senhora
é a dona das cenouras, não é? Juro que não colhi mais nada em sua plantação e,
se o fiz naqueles dias, foi porque minha mãezinha está muito doente,
impossibilitada de trabalhar. Eu não sabia o que fazer, pois não tenho pai, nem
irmãos, e preciso cuidar dela.
- Sua mãe ainda
está doente? - perguntou o Dr. Corujão.
- Está sim.
Acho que ela não resistirá por muito tempo, pois, além de muito enferma, quase
não tem se alimentado. Mal tenho conseguido algumas raízes, insuficientes para
reerguer lhe o ânimo. Em virtude de sua doença, não posso cultivar nada. Tenho
que estar constantemente ao seu lado.
Lulu começou
a chorar e, cheia de arrependimento, abraçou o pequeno filhote com tanto amor
que ficou curada de repente. A partir daquele instante cuidou não só dele, mas
de sua mãezinha, qual se fossem familiares muito queridos.
Com isso, em
breves dias a mãe do pequeno estava restabelecida, ficando para todos a lição
inesquecível do perdão das ofensas.
Desde então,
sentindo-se uma só família, viveram todos felizes, livres de mágoas e ressentimentos.
A Vovó
silenciou, após o relato, dando ensejo a que os garotos assim falassem:
- Puxa Vovó!
Achamos que se contarmos esta história para os nossos coleguinhas, eles irão se
reconciliar.
- É verdade.
Aproveitemos a oportunidade, pois, precisamos combater o ressentimento com o
amor que Jesus ensinou. Só assim, seremos realmente felizes.
Naquela
noite, com a permissão da Vovó, as crianças ficaram conversando até tarde, e
sentiam-se leves, felizes e serenas, com a lição recebida.
“Perdoai
para que Deus vos perdoe” – “Jesus”
Médium:
Samuel Nunes Magalhães – Espírito: José Renato
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